Duas coisas só me deu o destino: uns livros de contabilidade e o dom de sonhar. Fernando Pessoa (poeta português).
Sem dúvida, há um aspecto fundamental a ser observado na análise econômico-financeira de qualquer empresa: a correta avaliação do seu fluxo de caixa.
A geração de caixa de uma empresa em determinado exercício pode ter várias origens, a começar pela mais natural e esperada, que se dá através da sua atividade principal, vendendo produtos e gerando receitas operacionais. Além disso, é possível gerar caixa via operações não recorrentes, como venda de ativos obsoletos, aumento de capital via subscrição de novas ações, recebimento de dividendos de empresas nas quais possui participações, dentre outras possibilidades.
O que o EBITDA nos possibilita identificar é justamente a capacidade que a empresa tem de gerar caixa através da sua atividade principal, excetuando-se fatores não recorrentes, fiscais e financeiros.
- Mas o que vem a ser o EBITDA afinal?
Trata-se de uma sigla em inglês, que representa as iniciais de Earnings Before Interest, Taxes, Depreciation and Amortization, ou em bom português, Lucro Antes dos Juros, Imposto de Renda, Depreciação e Amortização, daí decorrendo a sigla LAJIDA, também usada algumas vezes.
Tendo por base a Demonstração dos Resultados, temos várias maneiras de chegar ao cálculo do EBITDA. Numa delas basta diminuirmos do Lucro Bruto as despesas com vendas, gerais e administrativas, assim como outras que sejam ligadas diretamente com o negócio principal da empresa. A rigor, tal equação levaria ao cálculo do EBIT, o qual podemos entender como sendo o Lucro da Atividade da empresa (ou Lucro Operacional antes das despesas e receitas financeiras, dos gastos fiscais e de eventuais resultados não recorrentes).
Para finalmente chegarmos ao EBITDA, somamos ao Lucro da Atividade (ou EBIT) os valores correspondentes à depreciação e amortização, que se encontram embutidos no CPV (Custo dos Produtos Vendidos) e/ou nas despesas gerais e administrativas. Normalmente, em empresas industriais a maior parte das despesas com depreciação está contida no CPV. A depreciação não represente saída de caixa, sendo o reconhecimento contábil da perda de valor por desgaste dos itens que compõem o Ativo Imobilizado. E a amortização, via de regra, está ligada ao Ativo Intangível e diz respeito à alocação do valor amortizável de ativos específicos ao longo da sua vida útil.
Recapitulando o cálculo a partir da Receita Operacional Líquida, temos a seguinte sequencia:
(+) Receita Líquida (-) Custo dos Produtos Vendidos (-) Despesas da Atividade (c/ vendas, administrativas e outras diretamente ligadas às operações) (=) Lucro da Atividade (ou EBIT) (+) Depreciação e Amortização (valores que podem ser encontrados na Demonstração do Fluxo de Caixa, tabela que também compõe as demonstrações financeiras). (=) EBITDA- E qual a utilidade do EBITDA?
Ao identificarmos a capacidade potencial de geração de caixa na atividade principal da empresa, podemos detectar sua condição de cumprir com os encargos financeiros, com eventuais perdas não operacionais e com a carga fiscal (Imposto de Renda + Contribuição Social). Tudo sendo considerado espera-se que a empresa apure Lucro Líquido, o qual servirá de base para o cálculo dos dividendos, que irão remunerar os acionistas.
O EBITDA é também uma importante referência para vários indicadores de análise financeira, como o que identifica o nível de alavancagem, ou endividamento, das empresas. A relação Dívida Líquida/ EBITDA é amplamente utilizada entre analistas financeiros com essa finalidade, servindo frequentemente como um “covenant” para emissões de títulos de dívida. Há um padrão de 2,5 vezes que é aceito de forma generalizada como um limite da zona de conforto para a condição de endividamento das empresas. Muitas vezes este patamar, ou outro estabelecido, funciona como um condicionante para convocação de assembleia de debenturistas ou para outro evento similar.
- Há críticas ao EBITDA?
Embora seja um indicador muito útil e largamente utilizado na análise econômico-financeira, ouvem-se algumas críticas sobre o seu uso, geralmente tendo como ponto de apoio o fato (muito concreto) que o EBITDA não revela integralmente a geração de caixa do empreendimento, podendo ser apontadas duas razões, pelo menos, para isso:
- O EBITDA não leva em conta os investimentos realizados pela empresa, de modo que se estivermos comparando duas empresas semelhantes em determinado ano, ambas podem ter o mesmo EBITDA, mas aquela que estiver investindo menos no seu próprio negócio terá lucro maior no curto prazo, enquanto a outra com política de reinvestimento “perderá” na comparação de curto prazo, mas conta com boas chances de ter uma performance mais favorável a médio/longo prazo, indicando uma postura empresarial mais saudável. Portanto, o EBITDA, visto sem uma análise mais completa e criteriosa, pode levar a conclusões não muito adequadas.
- Como se pode observar para um bom entendimento do EBITDA é necessário conhecer alguns aspectos da gestão da empresa e da contabilidade, cujos preceitos têm por base o chamado critério de competência, o que pode ser ilustrado com o seguinte exemplo: se uma empresa obteve receita operacional de R$ 1 bilhão em determinado período (um ano, por exemplo), ela vai reconhecer este valor como faturado, ou seja, esse valor irá representar a receita operacional daquele ano, tendo sido recebido efetivamente (entrado no caixa de modo integral) ou não. Como é natural que uma parte do que foi vendido em um período seja recebido no período seguinte (a empresa vende a prazo), é também normal que a receita operacional pelo critério de competência não coincida com o ingresso de recursos no caixa. O cálculo do EBITDA não considera esse detalhe, podendo não captar necessidades adicionais de capital de giro da empresa.
- Conclusão: o EBITDA é extremamente útil, mas pode (e deve) ser refinado.
Por conta destas e outras questões é que os analistas não devem avaliar a geração de caixa da empresa somente através do EBITDA. Apesar de representar um cálculo importante e trazer informações relevantes no processo de análise, o EBITDA pode ser refinado, chegando a um conceito mais abrangente de fluxo de caixa, conhecido como Fluxo de Caixa Livre, ou “Free Cash Flow” (FCF).
Para chegarmos ao FCF, deduzimos do EBITDA os encargos fiscais da empresa (IR + Contribuição Social) e os ajustes relacionados às necessidades adicionais de capital de giro. Tais ajustes se fazem necessários, de modo a propiciar uma visão adequada do que efetivamente entrou ou saiu do caixa no que se refere às vendas, aos custos e às despesas. Além disso, deduzimos os investimentos em ativos fixos, como máquinas, equipamentos ou edificações (conhecidos como “Capex – Capital Expenditures”). Vale também enfatizar que a dívida financeira não é considerada nestes cálculos, tampouco seus encargos, justamente para possibilitar um confronto entre a capacidade de gerar caixa nas operações e a alavancagem praticada pela empresa via endividamento bancário ou operações correlatas (emissão de debêntures, por exemplo).
A SABE Consultores tem o propósito de compartilhar informações úteis e atualizadas sobre as empresas brasileiras com professores, universitários, contadores e investidores individuais. Manteremos você atualizado, como de costume, com novas informações extraídas do nosso Banco de Dados SABE.
Aproveite para deixar o seu comentário ao final desta página sobre a importância do EBITDA como representação da capacidade de geração de caixa de uma empresa.
Aloisio Villeth Lemos é Mestre em Economia Empresarial pela Universidade Cândido Mendes, Pós-graduado em Engenharia Econômica e Organização Industrial pela UERJ e Docência do Ensino Superior pela Universidade Candido Mendes. Atua na área de Análise Fundamentalista, com passagem por bancos, corretoras e consultorias. Trabalha atualmente na Ágora Corretora (Grupo Bradesco), fazendo parte da equipe de Análise e Pesquisa da instituição.